A publicação de Como foi Inventado o Povo Judeu de Shlomo Sand, em França, em 2010, suscitou um intenso debate relativamente ao judaísmo, e ainda a Israel. Os factos históricos que Sand expõe colocaram em questão diversos pontos que eram dados por adquiridos quanto à história judaica, desde logo as razões invocadas pela Declaração de Independência de Israel, segundo a qual o povo judeu nasceu na «Terra de Israel» e dele foi exilado na época de domínio romano, por volta do ano 70 d.C., para a ela regressar dois mil anos depois. Porém, conforme o autor expõe nunca existiu um «povo» judeu, mas apenas uma religião judaica, como também, como também os especialistas em história judaica antiga bem sabem, não ocorreu qualquer exílio no ano 70 d.C., antes a população manteve-se onde vivia, progressivamente cristianizando-se e depois islamizando-se. A ideia, aventada por Ben Gurion e Ben-Zvi, de que os camponeses palestinos são prováveis descendentes dos antigos judeus, tem o seu fundo de verdade. «É, de facto, provável que um habitante de Hebron esteja mais próximo dos antigos hebreus, pelas suas origens, do que a maioria daqueles que se identificam como judeus em todo o mundo». Por outro lado, no mundo, o judaísmo expandir-se-á, não fruto de qualquer exílio, que não aconteceu, mas da conversão de inteiros reinos (no Mediterrâneo, na Babilónia, no Sul da Península Arábica, no Norte de África e na Europa Oriental) e do proselitismo judaico «desde o século II a.C. até ao início do século IV d.C.» A cessação do proselitismo foi tardiamente imposta ao judaísmo e demorará a efetivar-se plenamente, facto hoje ofuscado pela imagem — atual — do judaísmo como uma religião «fechada». Assim, por um lado, na Palestina o judaísmo definhará, tornar-se-á residual, transformando-se em cristianismo e islão; por outro, no mundo expandir-se-á, recrutando localmente novos judeus, seja pela via das conversões de massa seja do proselitismo. A ideia de que os judeus do mundo provenham da mesma linhagem dos judeus da Antiguidade da Palestina é forjada no seio do movimento sionista e seus historiógrafos, procurando afirmar um direito «histórico» e «natural» destes judeus em relação a uma terra que colonizaram, entre outros aspetos designando-a de «Terra de Israel»: «O mito que estabelece o exílio do “povo judeu” pelos romanos tornou-se a garantia suprema dos direitos históricos à Palestina, erigida, segundo a retórica sionista, em “Terra de Israel”». Trata-se, para Sand, de «uma crítica de conceptualizações e construções historiográficas» amplamente difundidas, mas erradas. Ainda para o autor, a criação do Estado de Israel decorre menos destas quanto de específicas circunstâncias históricas, entre as quais sobreleva a Shoah e a relutância dos Estados ocidentais em acolherem os sobreviventes — assim se criando um Estado no Médio Oriente para os judeus que hoje constitui fait accompli. A crítica do autor a tais ideias-erros visa especificamente uma concepção «etnobiológica», primeiro, e «etnoreligiosa», de seguida, do «povo» e do «Estado» judaicos, i.e. da unidade étnica, biológica e religiosa de ambas entidades. Esta concepção é anacrónica, é particularmente insuportável considerando que foi nestes termos que os judeus foram extirpados das sociedades e territórios em que outrora viviam, subjaz à ideia de Israel como propriedade dos judeus que vivem em qualquer parte do mundo e, finalmente, injusta e violentamente, exclui os palestinos da sua terra ancestral. Conclui Sand: «é sempre possível fechar os olhos à realidade. Pode continuar a afirmar-se que o povo judeu existe há quatro mil anos e que a “Terra de Israel” lhe pertence desde o início dos tempos. No entanto, se os mitos históricos puderam um dia, com muita imaginação, ajudar a criar a sociedade israelense, correm o risco, no futuro, de contribuir para a sua destruição».