A religião judaica foi em larga medida moldada pela cristandade em cujo seio se desenvolveu. Desde os inícios da nossa era, as duas religiões competiram sempre no sentido de se reforçarem e crescerem, convertendo novos fiéis. Com a supremacia da expansão cristã, o poder romano virá mesmo a proibir o proselitismo judaico. Mas a ideia de que os judeus constituem um «povo» distinto, só será formulada no séc. V por João Crisóstomo e Santo Agostinho, dando lugar ao mito do «povo do exílio», uma «raça à parte», que via os judeus como estrangeiros, como «semitas».
Neste ensaio, o autor descreve as mutações do sentimento «judeófobo» ao longo de milénios - desde o advento da cristandade até Lutero, desde Proudhon até Hitler - como uma componente essencial da doxa ocidental. Por isso, trata-se aqui de «judeofobia» e não de «antissemitismo», noção recentíssima que, afinal, perpetua o preconceito que pretende denunciar.
A política sionista de Herzl, Jabotinsky e Buber, ou de Ben-Zvi e Ben-Gurion, apesar de ateus e terem reconhecido os palestinos como prováveis descendentes do «povo de Israel», adoptará o mito cristão da «expulsão da Terra de Israel» e defenderá a a ideia da unidade de sangue dos judeus. Médicos e cientistas sionistas vieram argumentar como os judeus têm especificidades biológicas que os diferenciam dos povos em cujo seio viveram. As doenças, as impressões digitais, o ADN, tornaram-se objeto de investigações dúbias e enviesadas, produzidas por «homens de ciência», biólogos, historiadores, arqueólogos, etc., que defendem a ideia de uma origem comum dos judeus e de uma nação, exilada há 2000 anos, com direito de preferência sobre a «Terra de Israel». Esta ideia de uma «raça» judaica (agora, «étnica») continua a ser alimentada, e, com ela, a estrutura que esteve na base da subjugação dos judeus no Ocidente, converte-se em novo preconceito e forma de dominação. O ódio em relação ao «outro» encontra-se agora virado para esses outros «semitas» que são os muçulmanos. A par da judeofobia que regride, a islamofobia progride, em Israel e no mundo. O autor interroga-se: «até que ponto o sionismo, nascido como resposta tensa à judeofobia moderna, não se terá tornado no seu reflexo? Em que medida, o sionismo não terá herdado fundamentos ideológicos que, desde sempre, caracterizaram os perseguidores dos judeus? Em que medida é que o Estado de Israel será um Estado etnorreligioso ou mesmo etnobiológico, em vez de uma democracia moderna ao serviço de todos os seus cidadãos, sem distinção de género, de religião e de origem?»