Depois de tratar da emancipação humana de certa ordem do conhecimento (O mestre ignorante) e de certa ordem do tempo e das atividades que hierarquiza os seres humanos (Tempos modernos), Jacques Rancière se volta à arte dos jardins, no que à primeira vista configuraria um desvio em seu percurso intelectual. A via que ele toma, no entanto, segue à risca o programa de sua filosofia: é pela reconfiguração de uma realidade sensível partilhada, e pelas condições subjetivas em que ela pode se dar, que ele retoma a velha cisão natureza-cultura no seio dos debates sobre a arte. Mais do que o veículo de expressão de um espírito criativo, a arte dos jardins, cujo meio sensível consta não de pigmentos ou de formas das quais tal espírito disporia "livremente", mas de uma matéria viva, se presta, como caso limite, a efetuar uma virada crucial na maneira como percebemos a imbricação da estética, da arte, da política e da vida.
Contracapa
O tempo da paisagem aqui considerado não é aquele em que ela começou a ser descrita em poemas ou representada em murais de jardins floridos, montanhas majestosas, lagos serenos ou mares agitados. Trata-se do tempo em que a paisagem se impôs como objeto específico do pensamento. Esse objeto do pensamento foi constituído através de querelas sobre o cuidado dos jardins, descrições de parques ornados de templos clássicos ou de singelas trilhas florestais, relatos de viagens por lagos e montanhas solitárias e evocações de pinturas mitológicas ou rústicas. Este livro seguirá, então, os desvios concretos de tais relatos e querelas. Mas o que toma forma nesse percurso não é simplesmente o gosto por um espetáculo que encanta os olhos ou eleva a alma. É a experiência de uma forma de unidade da diversidade sensível, própria a modificar a configuração existente dos modos de percepção e dos objetos do pensamento.