Inúmeros textos da dramaturgia de Jon Fosse já foram encenados no Brasil, mas até hoje nenhum deles tinha sido publicado em livro. Traduzida da variante norueguesa nynorsk por Leonardo Pinto Silva, a coletânea Vai vir alguém e outras peças chega ao público com apresentação e organização da professora e pesquisadora Claudia Soares Cruz. Composta de quatro obras — Vai vir alguém, O nome, Eu sou o vento e Cada um —, a seleta cobre o arco completo da produção de Fosse e mostra os principais aspectos que fizeram dele um dos dramaturgos mais encenados do mundo e lhe renderam o prêmio Nobel de literatura em 2023.
Vai vir alguém foi a primeira incursão do norueguês no drama, e logo conquistou os palcos em todo o mundo com sua representação vivaz da possessividade e paranoia. Escrita em 1992, leva à cena um casal que acaba de comprar uma casa e está feliz em morar ali isolado. Pouco a pouco a alegria da conquista é substituída por um medo palpável: alguém virá para perturbá-los. As repetições obsessivas, as pausas, o silêncio e os desencontros desses personagens inominados também aparecem em O nome, de 1995. Nela, Fosse faz lembrar o teatro do absurdo de Samuel Beckett, Jean Genet ou Harold Pinter e parodia a volta do filho pródigo quando uma garota prestes a dar à luz retorna à casa de sua família com o pai de seu bebê. A dificuldade das relações entre pais, filhos, irmãos e colegas do passado vem à tona, ainda que quase não haja conversa. Um humor fino subjaz a temas corriqueiros como o ciúme e a falta de dinheiro.
Já Eu sou o vento, de 2007, talvez seja o melhor exemplo do que a academia sueca mencionou ao laurear o autor por suas "peças [...] inovadoras que dão voz ao indizível". Comovente, ela coloca em cena dois homens, Um e Outro, que estão num barco à deriva enquanto travam uma batalha contra a própria condição humana. O ritmo hipnótico capta nossa atenção e nossos ouvidos, pois mesmo que os diálogos sejam repletos de não ditos, eles vão ecoando os sentimentos mais profundos. Por último, Cada um, de 2024, o texto mais recente, dramatiza personagens espelhados — dois jovens, dois velhos e duas velhas — que embora pareçam ser íntimos, estão completamente apartados e solitários.
Neste compilado de peças, somos espectadores de uma ação que dá forma ao vazio e a única certeza interpretativa é a de que Jon Fosse é um dos mais importantes escritores de nosso tempo.