"Outrora vós éreis miseráveis e erráveis através das montanhas com vossos rebanhos, sem teto, expostos aos ataques de trácios, tribalos e ilírios. Meu pai vos domiciliou em aldeias e cidades. Substituiu vossas peles de animais pelo uniforme dos guerreiros. Ele vos tornou senhores dos bárbaros da vizinhança. Abriu para a vossa indústria as minas do Pangaion e permitiu que vossos navios singrassem os mares. Pôs a vossos pés a Tessália, Tebas, Atenas e o Peloponeso. Exigiu, e obteve, a hegemonia suprema sobre todos os helenos para marchar contra os persas. Tudo isso fez Filipe. Grandes coisas por si mesmas; mas nada, quando comparadas ao que foi realizado depois."
Discurso de Alexandre às tropas macedônias na Babilônia
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Alexandre teve uma vida curta e prodigiosa. Filho de rei, discípulo de Aristóteles, ainda muito jovem concebeu o projeto de uma monarquia universal que unisse os povos do Ocidente e do Oriente até o limite da Índia, então considerada a fronteira do mundo. Tornou-se rei com vinte anos de idade e se entregou a esse sonho.
Completou a obra do pai, Filipe, que começara a transformar uma região periférica em uma potência militar. Consolidou a liderança da Macedônia sobre o mundo grego. Desafiou e venceu o invencível Dario, rei dos persas. Realizou campanhas prodigiosas, tomou fortalezas inexpugnáveis, sitiou cidades poderosas, sempre em inferioridade numérica. Fez marchas impossíveis, atravessou montanhas, desertos e rios, alterou o rumo de batalhas que estavam perdidas e nunca foi derrotado. Foi generoso e cruel.
Conquistou as terras que hoje formam a Grécia, a Turquia, a Síria, o Líbano, o Egito, o Afeganistão e a Índia, além da Pérsia. Miscigenou populações, religiões e culturas. Incorporou os vencidos ao exército e à corte. Fundou cidades. Abriu novas rotas terrestres e marítimas. Estimulou as trocas comerciais. Modernizou a administração. Financiou pesquisas científicas.
Morreu em 323 a.C., antes de completar 33 anos, quando se preparava para anexar toda a orla do Mediterrâneo. Sua morte e o posterior desmembramento do império abriram caminho para ascensão de Roma. O mundo já era, definitivamente, outro: a cultura grega havia se difundido e, ao mesmo tempo, recebera a influência dos povos asiáticos. Começava o período helenístico, com a dissolução de identidades locais e o surgimento da ideia de uma humanidade homogênea, unificada pela cultura.
Alexandre não teve um Homero que cantasse seus feitos. Foi esse o desafio a que se entregou o historiador alemão Johann Gustav Droysen. Formado em filologia clássica, fluente em grego e latim, apaixonado por história antiga, excepcionalmente culto, ele usou todas as fontes disponíveis ? Plutarco, Quinto Cúrcio, Tucídides, Xenofonte ? para recompor a trajetória do rei. Fez uma obra-prima. Helmuth Berve escreveu: "A graça e a facilidade da exposição de Droysen fazem esquecer o incrível labor científico que precedeu a redação definitiva da obra. O estabelecimento e a combinação dos detalhes de ordem histórica, geográfica ou filológica, as pesquisas sobre a estratégia e os meios com os quais foram executadas as grandes operações militares, os estudos de cronologia e todos os trabalhos preliminares desse tipo se dissolvem e desaparecem na arquitetura do conjunto."
Alexandre o Grande é um livro definitivo, que une o prazer da leitura e informação cultural da maior qualidade.
César Benjamin